Querida, Floralvina.
- brunodiehlbarbosaa
- 25 de nov.
- 2 min de leitura
Acorda, Chica, já é quase dia,
e ainda nem preparamos as marmitas.
Os bagual já já passam para levar o Zé;
hoje vão para a estância, tropeada comprida.
Levanta, guria, e apronta o feijão com graxa,
que teu pai, homem de lida, não espera.
Os galos nem tinham cantado, e Chica já se ajeitava,
enrodilhando o xale nos ombros
para se aquentar diante do fogo de lenha.
Era a mais velha - e à mais velha cabia o servir.
Enquanto atiçava as brasas com a ponta da vara,
a irmã mais nova dormia estirada,
alheia ao frio e à lida que o amanhecer convocava.
Aos poucos, os primeiros raios de sol clareavam o galpão.
As marmitas ficaram prontas sob o beijo apressado do pai.
A estrela-d’alva se escondia no céu e o frio começava a amansar.
Chica, com o poncho ainda nos ombros, aguardava a irmã despertar,
varrendo os cômodos ao lado da mãe
num silêncio manso de amanhecer campeiro.
Depois do serviço, sentou-se na frente do galpão.
Sentia o vento minuano beijar-lhe o rosto
e, ao lado da mãe, sorvia um chimarrão -
devagarinho, mais pela prosa que pelo gosto.
Ainda esperava a irmã levantar.
Floralvina, a Chica, vivera sempre assim: a vida em pura alegria.
Não deixara descendentes - só os da irmã,
com quem dividira os dias desde a mocidade.
Nela não morava tristeza: aquela prenda miúda,
brincalhona, era feita de riso fácil
e graça espalhada pela estância.
Achava felicidade no cotidiano,
nas prosas ao pé do fogo, no cheiro do mate,
no cantarolar dos passarinhos ao amanhecer.
Quando ficava braba - e era raro -
era sempre por causa da irmã dorminhoca.
E, naquela longa espera pelo despertar da outra,
Chica já começava a se incomodar.
O pai, provavelmente, já voltara da lida.
A mãe, com certeza, já se recolhera.
E Chica, ajeitando o poncho nos ombros cansados,
preparava-se para repousar também,
sentada na poltrona puída do pai, ao lado do fogão a lenha,
admirando o pôr do sol que caía lento atrás da lavoura.
Foi então que ouviu uma voz suave chamar seu nome:
- Dona Chica… a janta está servida.
Chica piscou devagar.
Por um instante, o cheiro do fogão a lenha
se misturou a outro, distante, que ela não soube reconhecer.
O ar parecia parado, sem vento -
bem diferente do minuano que jurava sentir há pouco.
Apoiada no braço que se oferecia, ergueu-se devagar.
Antes de seguir, voltou o rosto para o corredor do galpão,
e sorriu, com ternura antiga:
- Essa Cátia…







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