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Querida, Floralvina.

Acorda, Chica, já é quase dia,

e ainda nem preparamos as marmitas.

Os bagual já já passam para levar o Zé;

hoje vão para a estância, tropeada comprida.

Levanta, guria, e apronta o feijão com graxa,

que teu pai, homem de lida, não espera. 


Os galos nem tinham cantado, e Chica já se ajeitava,

enrodilhando o xale nos ombros

para se aquentar diante do fogo de lenha.

Era a mais velha - e à mais velha cabia o servir.

Enquanto atiçava as brasas com a ponta da vara,

a irmã mais nova dormia estirada,

alheia ao frio e à lida que o amanhecer convocava.


Aos poucos, os primeiros raios de sol clareavam o galpão. 

As marmitas ficaram prontas sob o beijo apressado do pai.

A estrela-d’alva se escondia no céu e o frio começava a amansar.

Chica, com o poncho ainda nos ombros, aguardava a irmã despertar,

varrendo os cômodos ao lado da mãe 

num silêncio manso de amanhecer campeiro. 


Depois do serviço, sentou-se na frente do galpão.

Sentia o vento minuano beijar-lhe o rosto 

e, ao lado da mãe, sorvia um chimarrão - 

devagarinho, mais pela prosa que pelo gosto.  

Ainda esperava a irmã levantar.

 

Floralvina, a Chica, vivera sempre assim: a vida em pura alegria.

Não deixara descendentes -  só os da irmã, 

com quem dividira os dias desde a mocidade. 


Nela não morava tristeza: aquela prenda miúda,

brincalhona, era feita de riso fácil 

e graça espalhada pela estância.

Achava felicidade no cotidiano,  

nas prosas ao pé do fogo, no cheiro do mate,

no cantarolar dos passarinhos ao amanhecer. 


Quando ficava braba - e era raro -

era sempre por causa da irmã dorminhoca. 

E, naquela longa espera pelo despertar da outra,

Chica já começava a se incomodar. 


O pai, provavelmente, já voltara da lida. 

A mãe, com certeza, já se recolhera.

E Chica, ajeitando o poncho nos ombros cansados,

preparava-se para repousar também,

sentada na poltrona puída do pai, ao lado do fogão a lenha,

admirando o pôr do sol que caía lento atrás da lavoura.


Foi então que ouviu uma voz suave chamar seu nome:

- Dona Chica… a janta está servida.


Chica piscou devagar.

Por um instante, o cheiro do fogão a lenha

se misturou a outro, distante, que ela não soube reconhecer.

O ar parecia parado, sem vento - 

bem diferente do minuano que jurava sentir há pouco.


Apoiada no braço que se oferecia, ergueu-se devagar.

Antes de seguir, voltou o rosto para o corredor do galpão,

e sorriu, com ternura antiga:

- Essa Cátia…


 
 
 

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